sexta-feira, 21 de março de 2014

DÉCIMA DO PINGO MOURO.




Cavalo bom de jornada
Que pra mim vale um tesouro,
Não tem dinheiro que pague
Nem mesmo ‘mina’ de ouro
Que tire o pingo de mim,
Até fico num estouro
Se me fizerem proposta
De comprar meu pingo mouro,
É mais fácil enfrentar
O chifre agudo dum touro.

Lá nas canchas de carreira
Onde fiz muito dinheiro,
Meu cavalo vencedor
Sempre chegava primeiro,
Não tinha corrida incerta
E nem melhor parelheiro,
O pingo mouro ganhava
Com seu tiro bem certeiro,
Hoje velho aposentado
Fica mais no meu potreiro.

Mas quero contar aqui
Com muita dedicação:
A vida do pingo mouro,
Nascimento e criação,
Pois peguei ainda guaxo
Na Fazenda do rincão,
Sua mãe morreu no parto
No final da gestação
E eu logo o adotei
Somente por compaixão.

O pingo mouro dormia
Na beira da minha cama.
O bicho mesmo selvagem
Tem aspecto de quem ama,
Embora sendo animal
Igual criança reclama
E além de me acompanhar
Entre ‘relincho’ me chama,
Somente fica quieto
Quando vai dormir ou mama.

Por ser um potrinho guacho
A sua alimentação
Vinha só por mamadeira
Através da minha mão,
Se outro fosse alimentá-lo
Ele não queria não,
Assim foi crescendo forte
Com muito leite e ração
Até se tornar de fato
Um pingo flor do rincão.

E foi assim desta forma
Que lhe dei ensinamento:
Além de ser bom campeiro
Tinha grande entendimento,
Ao falar com pingo mouro,
Era meu encantamento,
Porque sempre me atendia,
Não importava o momento.
E para correr carreira
Ele teve treinamento.

Portanto ganhava aposta
Na pior dificuldade.
As patas do pingo mouro
Tinha mais velocidade
Que qualquer cavalo bom
De toda localidade,
Até longe da querência
Era flete de verdade;
Ganhava só dando luz
Pela sua qualidade.

O pingo mouro ficou
Famoso Brasil a fora,
Sem nunca levar no lombo
As rosetas duma espora
Por ser pingo obediente,
Pronto para qualquer hora,
Não tinha mesmo embaraço
E muito menos demora,
Pois na frente do meu mouro
Qualquer bagual se apavora.

Não sou de contar vantagem,
Mas uma coisa lhe digo:
O meu pingo mouro era
Além de fiel amigo,
Um companheiro de estância
Que não merece castigo;
Apareceu uma cobra
E o pingo junto comigo
Começou a relinchar
Me alertando do perigo.

Se pudesse contar tudo
Até faltaria espaço,
Por isso vou resumir
Nos versos xucros que faço,
Meu pingo mouro está velho
Sem nunca levar laçaço.
E se alguém por valentia
Quiser me botar o braço
Meu mouro entra na peleia
Dando relincho e pataço.

JOSÉ HEITOR FONSECA.